Pandemia, ansiedade e investimento

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Momentos de alta volatilidade também trazem oportunidades
Por Aquiles Mosca

Falar da necessidade de guardar dinheiro e investir em um momento como o atual, no qual milhões de pessoas estão vendo sua renda cair, e outros tantos perdendo o emprego ou fechando suas empresas, pode parecer um contrassenso. A falta de previsibilidade sobre como e quando haverá uma recuperação é um fator adicional que alimenta a ansiedade relacionada à crise da covid-19. Quem disser que não está ansioso com esse tema, ou está mentindo ou não entendeu a seriedade da situação.
A ansiedade possui um efeito negativo sobre praticamente todos os aspectos do processo decisório financeiro (U. Dholakia, 2020). Em contrapartida, poupar dinheiro consistentemente figura como o fator número um na determinação do bem estar financeiro de um indivíduo. Por exemplo, possuir reserva de recursos capaz de cobrir meses de despesas é uma forma comprovada para enfrentar períodos prolongados de incerteza financeira, como o atual.
No entanto, a ansiedade mina a capacidade de poupar, tornando mais difícil exercer exatamente o comportamento necessário para reduzir a ansiedade.

Os pesquisadores verificaram a existência de um círculo vicioso formado pelo estado de ansiedade, que compromete o comportamento poupador, que alimenta ainda mais a ansiedade original.
Alguns estudos (C. Loibl, D. Kraybill & S.DeMay, 2011) demonstraram que poupar dinheiro de forma consistente, requer que adotemos tal prática de forma arraigada e habitual, aliada a objetivos concretos, relevantes e minimamente desfiadores. Algo que surpreende muitos é o fato de que o nível de renda possui baixa correlação com a capacidade de poupar (R.McKenzie & D. Lee, 1998), ao passo que fatores psicológicos e comportamentais desempenham um papel determinante.
A relação entre ansiedade e baixa capacidade de poupar com consistência foi demonstrada apenas recentemente, contrariando o senso comum.
Deveríamos esperar que diante da incerteza com relação ao futuro ou da sensação de ameaça, a intenção de poupar deveria ser maior. Contudo, não é isso que se constata na prática. Pelo contrário. Um estudo realizado nos EUA em 2012 (C. Hayhoe, S. Cho, S. DeVaney, S. Worthy, J. Kim & E. Gorham) revelou uma relação de causalidade entre baixos níveis de ansiedade e o hábito recorrente de poupar. Adicionalmente, pessoas com maior nível de ansiedade mostraram dificuldade em definir objetivos para seus recursos e monitorar gastos. Consequentemente, esse mesmo grupo de indivíduos demonstrou dificuldade de manter suas despesas em patamares inferiores à renda mensal e também foi verificado que são mais propensos a atrasar o pagamento do valor total da fatura do cartão de crédito. Esses são apenas alguns exemplos de comportamentos associados à ansiedade que comprometem a capacidade de poupança.

O Brasil possui uma das menores taxas de poupança do mundo. Temos a segunda menor taxa de poupança da América Latina, apesar termos uma das maiores rendas per capita da região. À luz dos fatores mencionados acima não é de surpreender o estudo da OMS (Organização Mundial da Saúde) publicado em setembro de 2019 que revelou que temos no Brasil a população mais ansiosa do mundo. Falamos muito em aumentar os níveis de educação financeira no país como forma de incrementar a poupança nacional, o que obviamente deve ser feito para gerar resultados a médio e longo prazo.
No entanto, talvez uma medida mais eficiente no curto prazo seria reduzir o nível de ansiedade da população, privilegiando medidas econômicas e de outras naturezas que busquem incrementar a estabilidade e previsibilidade no país. Esses dois fatores são elementos chave para a redução da ansiedade que compromete o comportamento financeiro prudente e indutor de poupança.

Fonte: Valor Econômico

Aquiles Mosca é responsável por comercial, marketing & digital no BNP Paribas Asset Management e preside o Grupo Consultivo de Educação de Investidores da Anbima
E-mail: aquiles.mosca@br.bnpparibas.com